Economias e Jabuticabas

Um país com mais de 300 anos sob o domínio colonial herda muitas marcas. Creio que no Brasil uma das principais heranças seja o colonialismo intelectual. Todo brasileiro é capaz de levar a sério idéias completamente idiotas ou inapropriadas ao tema, desde que tenha o aval dos “superiores” cérebros do norte.

Um dos exemplos mais caricatos se dá com a chegada da corte ao Brasil em 1808. Junto com objetos absolutamente inúteis ao clima tropical como casacos de pele e esquis para a neve, as senhoras da corte trouxeram lencinhos na cabeça para disfarçar a careca provocada por uma infestação de piolhos. O mais hilário é que as damas do Rio de Janeiro passaram a utilizar lencinhos na cabeça, imitando as portuguesas recém chegadas, sem saber que na Europa era coisa de pessoas piolhentas!

Na economia não é diferente. Basta um sujeito pensar diferente dos modismos do norte que já é olhado com desdém. “Onde já se viu ignorar as mais “modernas” idéias das grandes universidades americanas?” O termo pejorativo utilizado quando um economista brasileiro pensa sem pedir licença aos seres civilizados do norte é “jabuticaba”. Para nossos americanizados economistas, a deliciosa frutinha seria motivo de vergonha simplesmente por ser um produto tipicamente brasileiro.

O engraçado é que adoro essas frutinhas negras. Sou capaz de comer baldes inteiros de jabuticaba sozinho! Para mim, é uma das coisas mais deliciosas que existem!

Sou um amante das jabuticabas, tanto das frutas quanto da capacidade dos brasileiros em ter idéias novas. Por isso, este blog é uma homenagem singela a um dos maiores patrimônios nacionais: as jabuticabas!

sábado, 7 de agosto de 2010

Porque voto em Dilma[1]

Imagine uma criança que nasça em três de outubro neste ano de 2.010. No dia do nascimento desta criança, o Brasil poderá eleger pela primeira vez na história uma mulher como Presidente da República.

A vida desta criança poderá ser muito diferente daquela vivida por seus pais. É muito provável que seus pais sequer imaginem as possibilidades que futuro oferecerá a esta criança. Se mantivermos o desempenho dos últimos anos, quando este bebê se tornar adulto e entrar no mercado de trabalho aos 25 anos, o Brasil terá atingido o mesmo nível de renda per capta e desigualdade de renda[2] que gozam sociedades avançadas como Japão, França, Inglaterra ou Alemanha.

Mas até lá, muitas experiências novas aguardarão esta criança. Quando aos 4 anos for assistir aos jogos da Copa do Mundo com seu pai, pela primeira vez não haverá mais pobres[3] no Brasil, que terá uma economia maior que a do Reino Unido e a França. Antes mesmo que seus dentes nasçam, o Brasil terá passado a Itália entre as maiores economias do mundo.

Mantidas as prioridades da presidente eleita de manter o objetivo de implantação de um estado de bem-estar social no dia do nascimento desta criança, em algum momento de sua formação ela poderá estudar em escolas públicas, que serão tão boas quanto às dos países europeus desenvolvidos. A saúde e a mortalidade infantil também não serão muito diferentes daquela oferecida pelos países ricos.

Apesar do otimismo com que seus pais encaram o futuro no dia do seu nascimento, os 25 anos de estagnação e humilhação que viveram, quando chegaram a pensar que o povo brasileiro jamais construiria algo digno de nota, dificultam a compreensão do momento que vivem e das razões porque tudo isso ocorre. A magnitude das transformações também torna difícil a compreensão do momento vivido pelo país.

Os anos 90 foram um período regido pelo consenso liberal. O projeto político vigente considerava imprescindível um desmonte do Estado. O governo não deveria intervir na economia, que deveria ser deixada às decisões dos agentes privados, que supostamente seriam mais eficientes e promoveriam o progresso do país.

O resultado foi enorme fracasso. O país não aproveitou o período chamado de “Exuberantes anos 90” pelo Nobel Joseph Stiglitz. Uma estagnação que permitia ao país dobrar sua renda per capta apenas a cada 70 anos, enquanto o desemprego permanecia em patamares recordes. O Brasil de joelhos implorava por empréstimos do FMI para não ir à bancarrota.

O fracasso neoliberal não se restringiu a aspectos sociais. Mesmo infra-estruturas elementares como energia, estradas e saneamento não foram supridas. Cabe ressaltar que a estagnação econômica havia facilitado através de menores demandas a oferta desses bens.

Diante do colapso deste modelo, em 2002, o Brasil elege o líder da oposição, o operário Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu primeiro mandato, mudanças pontuais foram feitas, com bons resultados na redução das marcantes desigualdades do país.

A grande guinada, contudo, só é feita no segundo mandato, quando Dilma Roussef assume a Casa Civil, e passa a ser responsável pela coordenação de todos os ministérios da Esplanada. Sob a batuta desta grande mulher, o Estado passou a ter o papel de induzir os investimentos privados.

O governo começou a realizar imensos investimentos em infra-estrutura, petróleo, energia e habitação. O investimento público chega a 4,8% do PIB[4] em 2009, ante 3,27% em 2006 (em 2003 era de 2,86%). Além disso, o BNDES se constituiu num dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, deixando para trás o BID e o Banco Mundial, enquanto a Petrobrás, onde Dilma foi presidente do Conselho de Administração, se tornou a oitava maior empresa do mundo.

Por isso, mais de seis milhões de empregos com carteira assinada foram criados, mesmo com a maior crise do capitalismo mundial desde 1.929, jogando por terra a tese daqueles que acreditavam que sucesso do Brasil era unicamente fruto da economia internacional.

Além disso, não podemos esquecer a enorme sensibilidade social que existiu nesse período. Quase vinte e cinco milhões de pessoas saíram da pobreza e entraram na classe média, o salário mínimo atingiu seu maior valor real desde Juscelino Kubitschek os investimentos com educação passaram de 4,1% do PIB em 2003 para mais de 5% em 2.010.

Mas não é apenas a gratidão por ter implantado esse modelo que tem mudado o Brasil, o que justifica meu voto em Dilma. O que justifica minha fé e confiança em sua candidatura é que ela conhece como ninguém os mecanismos dessa imensa mudança, é herdeira da estrutura política dos quadros técnicos que sabem como levar o país adiante.

Serra, em que pese sua formidável formação intelectual, fez escolhas erradas e se cercou com o que há de pior na sociedade brasileira. Esta estrutura política o torna incapaz de manter os ganhos sociais e até mesmo econômicos, onde a indução estatal ganhou primeiro plano. Basta ver as declarações de seus aliados, para verificar os riscos que correm o atual e Estado desenvolvimentista brasileiro.

Já Marina não entendeu o Brasil. Representa o Brasil arcaico, mas de gravatas coloridas. A ingenuidade de quem não compreendeu os conflitos da sociedade brasileira é um perigo à trajetória virtuosa adquirida pelo Brasil graças ao trabalho de Lula e Dilma.

Marina e o PV não têm claro que desde o fim da Pax Britânica o papel assumido pelo Estado na promoção do sonho do desenvolvimento em todas as industrializações atrasadas como Japão, EUA e Alemanha. Enfim, a historiadora Marina não entendeu o essencial da história contemporânea e do papel do Estado, do qual pretende ser a mandatária.

Plínio, por outro lado, não entendeu estas palavras do Poeta espanhol Antônio Machado:

Caminhante, as tuas pegadas

São o caminho e nada mais;

Caminhante não há caminho,

O caminho faz-se ao andar.

Ao andar faz-se o caminho

E ao olhar-se para atrás,

Vê-se a senda que jamais,

Se há-de voltar a pisar.

Caminhante não há caminho,

Somente sulcos no mar.

De nada adianta pensarmos o mundo com as reformas democráticas burguesas que pareciam viáveis na década de 60, mas que se perderam ao longo dos 80 e 90. É preciso democratizar através dos caminhos encontrados ao caminhar nos anos 2000. Dilma é portadora desse caminho democrático, viável e real, e não Plínio[5].

Enfim, é por ter protagonizado ao lado de Lula, a construção de um claro caminho em direção à uma democracia substantiva e ao desenvolvimento, que voto em Dilma. É por ser herdeira das estruturas políticas e técnicas da transformação que Dilma é imprescindível. Dilma abriu a picada do desenvolvimento e conhece como fazer este caminho como ninguém. Conhece o Brasil e o Estado e a sociedade que deverão promover esse desenvolvimento, em suas dimensões políticas e sociais.



[1] As projeções são simples extrapolações das médias dos últimos anos, exceto de PIB per capta, onde foi usado um PIB potencial de 5,5%.

[2] Renda per capta acima de US$ 30.000,00 e Índice de Gini abaixo de 0,35 deverão ser atingidos em 2035 dado o ritmo de crescimento e redução das desigualdades dos últimos anos.

[3] Existe a possibilidade real do Brasil até 2014, dado o atual ritmo de ascensão social, incorporar as classes D e E nas classe A, B e C, segundo os critérios da FGV.

[4] http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/cartaconjuntura/carta09/06_financaspublicas.pdf

[5] Segundo suas propostas, Plínio parece crer que o PSOL ganhará todas as vagas em disputa pelo Senado e 300 cadeiras na Câmara. Esta possibilidade prefiro não comentar.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Crise e Hegemonia

Os EUA despontaram como potência econômica ao final do Século XIX, na chamada 2ª Revolução Industrial. Ao contrário da 1ª Revolução Industrial, que teve a Inglaterra como pólo dinâmico, a conquista da hegemonia tecnológica norte-americana se amparou fortemente em recursos tecnológicos, envolvendo uma série de desenvolvimentos dentro da indústria química, elétrica, de motores a combustão, de petróleo e de aço.

O novo padrão tecnológico colocado em prática pelos EUA envolvia produção em larga escala e enormes quantias de capital. Desta forma, quando também temos em mente a maior eficiência e os menores custos de produção dos EUA, podemos compreender a impossibilidade de cacth up espontâneo por parte das demais economias de capitalismo atrasado.

O domínio deste padrão tecnológico e produtivo permitiu aos EUA a hegemonia política e econômica até meados dos anos 70, quando este modelo começa a entrar em crise e com a emergência de novos players Japão e Coréia, apoiados em políticas industriais bem construídas.

Diante desta crise, a manutenção do Império Americano apoiou-se na financeirização da riqueza e nos livres fluxos de capitais, que impôs a praticamente todo o globo. Vale lembrar que esta foi a mesma estratégia adotada pelos britânicos no final do século XIX, quando sua indústria entrou em declínio.

No entanto, com a gravidade da crise financeira é improvável que tenhamos o mesmo grau de abertura e alavancagem financeira, o que coloca em xeque a própria hegemonia dos EUA, ainda mais quando lembramos a disseminação tecnológica e criação de sistemas de inovação eficazes em boa parte da periferia, como na China, Índia, Coréia e Brasil. Os EUA encontram-se numa cilada, se sua indústria não é mais tão competitiva, a ponto de sustentar um império como outrora, também a possibilidade de manter a hegemonia com base nas finanças não existe mais.

sexta-feira, 27 de março de 2009