"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado." (William Shakespeare - Sonhos de Uma Noite de Verão)A obsessão de todo economista brasileiro deveria ser compreender as razões de porque milhões de cidadãos não possuem condições dignas de vida no Brasil. Mais do que isso, os economistas deveriam buscar alternativas para superarmos o subdesenvolvimento. Pode parecer um conceito piegas, mas toda profissão que se preze tem um objetivo humano maior.
Penso que as causas do nosso atraso podem ser superadas, como foram em todos os países do mundo. A história de países da segunda onda de industrialização como EUA, Alemanha e Japão, bem como da terceira que inclui o próprio Brasil, Coréia e China mostra exatamente isso.
Os EUA, por exemplo, apresentou grande obstinação em se tornar um grande país. Desde sua fundação, os estadunidenses mantinham forte fé em seu Destino Manifesto, de povo eleito por Deus para comandar o mundo. Os defensores do Destino Manifesto acreditaram que expansão não só era boa, mas também era óbvia ("manifesto") e inevitável ("destino").
Apesar de sua fé inabalável, é importante compreendermos que os americanos tinham poucas razões objetivas para crer no sucesso. Naquele momento, os ricos da América eramos nós, brasileiros. Os EUA jamais possuíram cidades coloniais como Salvador, Olinda ou Ouro Preto. Além disso, o diferencial econômico entre o Brasil e os EUA se forjou em apenas dois breves momentos: o primeiro entre 1780 e 1830 e o segundo entre 1980 e 2003.
Ainda em meados do Século XIX, o atraso das forças produtivas alemãs era tão flagrante que foi apontado por Karl Marx com um obstáculo ao pleno desenvolvimento da filosofia. A construção da moderna Alemanha somente ganhará maior impulso somente com Otto von Bismarck, que unificou o país em 1871. O mais assombroso, no entanto, é que já no início do Século XX a mesma Alemanha, cujo atraso incomodava Marx, já era a mais moderna nação industrial da Europa, ultrapassando inclusive o Império Britânico, e em pouco tempo lutaria a Primeira Guerra Mundial exigindo os privilégios de potência mundial.
O mais impressionante na história alemã foi sua obstinação em não aceitar um papel secundário na história e condições indignas aos seus cidadãos. Mesmo que seja imperioso condená-la devidos às enormes tragédias humanas da Segunda Guerra, é necessário reconhecer o imenso trabalho de reconstrução da Alemanha. Após o humilhante Tratado de Versalhes ao final da Primeira Guerra, que levou o país à hiperinflação em 1923, e de ser duramente castigada pela Depressão dos anos 30, com taxas de desemprego de 50%, a Alemanha em apenas dois anos eliminou o imenso desemprego e seis anos após os piores anos da crise já impressionava o mundo com sua superioridade tecnológica e militar.
O importante a reter da história dessas duas grandes nações ocidentais é que o desenvolvimento é um projeto de um povo, o desejo de participar ativamento do destino da humanidade. A história da humanidade não possui povos condenados eternamente ao ostracismo ou glorificados infinitamente com o sucesso.
Mesmo que no capitalismo monopolista, as exigências tecnológicas e de capital sejam imensamente maiores do que no período de expansão dos EUA e Alemanha, acredito que nosso atraso relativo possa ser superado pela ação racional humana e por uma ação consciente do Estado.
Mas por que não somos capazes de formular e lutar por um projeto nacional?
É possível apontar duas razões para esse sentimento nacional dormente: a primeira delas é dificuldade de se pensar coletivamente dos povos considerados “aventureiros”, como apontado na análise antropológica de nosso povo feita por Sérgio Buarque de Holanda, e o segundo é o imenso complexo de vira-lata que acomete a todos os brasileiros, desde os tempos de Nelson Rodrigues.
No que diz respeito ao nosso egoísmo crônico, creio que isto aumente ainda mais a responsabilidade do Estado na articulação da sociedade, nos moldes do nosso Estado Desenvolvimentista dos anos 30/80, que logrou as mais altas taxas de crescimento de todo o mundo.
Já em relação ao complexo de vira-lata, que tanto nos angustia, é importante que observemos atentamente todo o mundo e uma estranha postura de muitos brasileiros. A própria história nos mostra que o desenvolvimento é fruto da atuação determinada dos povos em circunstâncias especificas, mesmo que o passado não tenha sido tão glorioso assim. Além disso, quando viajamos pelo mundo, especialmente pelos países ricos, vemos a humanidade em movimento, com todas as suas fraquezas e exuberâncias; medos e coragem; grandeza e mesquinharia. Pelo menos na Europa, não vi empreitada que não pudesse ser encarada por nós, brasileiros.
Tenho a impressão que o nosso “complexo de vira-lata” é alimentado diariamente por nossas elites, numa estratégia para oprimir os mais pobres. Como são poucos no Brasil a ter condições de custear uma viagem ao exterior, as elites invetam um povo distante, superior, que não possuiria os abomináveis vícios dos brasileiros.
As histórias dos ricos brasileiros inventando lendas sobre os povos do Norte abundam desde o Oiapoque até o Chuí.
Quando voltava da Europa, após uma viagem de férias, fui passar pela imigração brasileira. No mundo inteiro, as imigrações são a mesma coisa: um funcionário que olha a sua cara, para ver alguma má intenção, pede um ou dois documentos, e carimba o seu passaporte. Apesar da simplicidade do procedimento e sua padronização mundial fui surpreendido por um resmungo:
- Quanta ineficiência!
Não era uma mera crítica infundada, era apenas nossa elite ensaiando histórias fantasiosas para oprimir os mais pobres e os menos críticos.
Enfim, Deus não nos condenou à miséria. No entanto, é preciso espantarmos dogmas fracassomaníacos e lutarmos com afinco por uma sociedade mais justa e próspera.